domingo, 28 de agosto de 2011

Quimera



De todas as coisas que dizem algo a meu respeito, nada é tão fidedigno quanto a mania de viver os pensamentos incomuns. Aprecio coisas intangíveis: lapso de cores; brilho sem luz; força sem músculos. O que acende meu espírito e move minhas entranhas é a dor, não os espinhos; é o toque, não as pétalas. Mas, sim, jardim se cultiva com as mãos; e ideais são lagartas à espera da metamorfose...

Por uma lógica compreensível, assim me reescrevo mais didática do que reflexiva, já que meus princípios são reais. Só que muitas vezes perdem-se na razão do sentir. Daí as lágrimas de amor e o riso de constante dor que não me deixam. Turbilhão que me toma e me deseja por inteiro, me extrai perfume e sabor. Efeitos da liberdade de sonhar com mutualidades e altruísmos... de remar contra a maré alheia de desgostos e pensamentos vãos. Inquietudes minhas...

Sim! Sou feita de ser livre; do extrato selvagem dos nervos de um animal indomável. Não há quem possa me forçar a viver sem o meu conteúdo próprio, a minha verdade. Não me cai bem artifícios, nem vestes alheias e acessórios desnecessários. Apesar disso, vivo da estranheza de me importar mais com o outro, ignorando por vezes a delicadeza de um casulo ainda tão sensível às intempéries. Me exponho ao risco.

Vivo do paradoxo de conciliar pensamentos de vanguarda e do bem-dizer valores já desenganados; sigo de sentir o calor do inverno; de ouvir no silêncio; de brotar no deserto; de enxergar na escuridão. Não tenho data pra florescer, nem obrigação de ser feliz ou amar incondicionalmente, mesmo que eu não saiba e nem queira viver de solidão, mas da quimera de ser plena no amor. E ainda assim, haverá braços afáveis que nunca poderão me aquecer.

Na contramão do desalento, tem mel no meu sorrir de avesso; tem mais valor do que preço, tem gesto; tem ausência de omissão. Vem lá de dentro... e pode te adentrar, te encontrar, e te fazer confessar: é nele que você talvez se reconheça... Ou, quem sabe, no sorrir que não me alegra, no cantar que não me soa, no olhar que não te vê. O tempo em si é uma conquista e uma perda, e eu continuo a suspirar: de sonhar, de amar, de sofrer, de cansar das coisas, seja das minhas, das suas, da vida, daqui, ou dali. É preciso ir além!

Coisas de pensar são apenas ângulos, enquadramentos, perspectivas. Se vãs, guarde-as nas gavetas, no armário, dentro dos livros, embaixo do travesseiro, atrás do espelho, no meio da multidão. O sentido está no agir. Podemos sentir o calor e a luz do sol sem precisar tocá-lo, mas é indispensável se expor a ele para conhecer seus benefícios, riscos e potenciais. No meu agir, quando nexo e leal, frágeis portas se abrem e revelam os esconderijos da emoção. São asas de borboleta ao vento! O ideal fez-se real.

Sei que vou chegar a tempo de converter meus sonhos em pensamentos nus, revelados em ações, coloridos, cheios de luz e presença. Colher os frutos; reconhecer minhas perdas; guiar meu destino; cultivar novos valores; retomar projetos; prosseguir; fazer brotar nova esperança, vê-la crescer novamente; e sorrir, enfim. Ciclos de vida, bem-vindos e inevitáveis.

Sou nada mais que uma lembrança guardada nas coisas de hoje, trazendo consigo o valor de ontem e a expectativa do porvir. Minhas coisas sem nexo, sem razão de existir... A não ser para quem puder e quiser desvendá-las no seu próprio âmago.


Ellen Valéria


Texto autoral
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