segunda-feira, 21 de abril de 2014

De Brasília, por destino e decisão!

Se me perguntarem onde nasci, eu digo que foi bem perto daqui, em terras tão goianas quanto estas. Mas se me pergunto DE onde eu nasci, então digo sem hesitar que nasci da contemplação do céu de Brasília, desde o amanhecer ofuscante até o pôr do sol que hipnotiza... nasci desse horizonte; também de andar nas suas largas ruas, de percorrer as superquadras, de rodopiar nas tesourinhas e de sentir o frio na barriga nas lombadas dos viadutos; nasci de me situar nos setores de tudo, da dificuldade de mobilidade, da mudança repentina do tempo e de ouvir a cigarra cantar; nasci da paisagem bucólica, das linhas de Lúcio Costa, das esculturas urbanas de Niemeyer e dos azulejos de Athos Bulcão.

Nasci das canções politizadas do Legião Urbana, dos concertos da Orquestra Sinfônica, dos repentes na Casa do Cantador; nasci de brincar na rua ou na pracinha da quadra, no Parque Ana Lídia, ou embaixo do bloco; nasci das piscinas do Clube Vizinhança, do Festival de Cinema, dos corredores do Conjunto Nacional. E não satisfeita, nasci do gramado do Parque da Cidade, também da nostalgia do Catetinho, e da imagem panorâmica no alto da Torre de TV.


Nasci de estudar na Escola Parque, na Escola Classe, na Escola de Música, nas escolas católicas; nasci de frequentar a Biblioteca Demonstrativa, de buscar estabilidade, de trabalhar com amigos e ser vizinha de colegas.Sim! Eu nasci dessa imensa colcha de retalhos, da convivência com as gentes de um Brasil diverso que se costuram nesse lugar, dos costumes e comidas dos muitos gostos brasileiros; nasci brasiliense todos os dias, cultivada no amor dos amigos e familiares.

Filhos como tais são muitos por aqui, que apesar de não terem brotado desta terra vermelha, foram transplantados para ela e dela se alimentaram de aprendizado, lutas, choro, risos, amor, fé, cultura, amizades, e cresceram. E criaram raízes e resistências... ao tempo seco, à solidão de alguns dias, à dura sobrevivência, aos políticos de circunstância, aos exploradores da terra, às mazelas do dia a dia, aos amores perdidos, às diferenças... e à morte que eventualmente nos cala, mas revela resiliência, renascimento que reinventa e cria identidade no meio do nada e de tudo que nos cerca de novo e velho. Nesta cidade jovem, que é bela de curvas, criativa, solidária, lúcida, ciente do seu potencial, mas já um tanto calejada, angustiada de dores alheias, sediada por muitos, pois é essencialmente generosa e acolhedora de bons e maus pensamentos.

Brasília que resiste, no entanto, pela fé e esperança que a originou e que ainda a mantém viva pelo olhar dos que a amam e acreditam na sua beleza e poesia, sem se importar com as críticas e injustiças de fora, porque é planta que ama sua terra, e dela continua a esperar seiva e muitos anos de vida.

Parabéns por seus 54 (e 55, e 56 anos), Brasília! Cidade de onde nasceu meu coração, minha fé, meu conhecimento, minha consciência, minha formação, meu espírito solidário, minha inspiração e causa, meu começo e desenvolvimento, e se não tiver que ser o final da minha trajetória, certamente será pra sempre minha cidade natal... por destino e decisão.

Ellen Valéria Franco

domingo, 28 de agosto de 2011

Quimera



De todas as coisas que dizem algo a meu respeito, nada é tão fidedigno quanto a mania de viver os pensamentos incomuns. Aprecio coisas intangíveis: lapso de cores; brilho sem luz; força sem músculos. O que acende meu espírito e move minhas entranhas é a dor, não os espinhos; é o toque, não as pétalas. Mas, sim, jardim se cultiva com as mãos; e ideais são lagartas à espera da metamorfose...

Por uma lógica compreensível, assim me reescrevo mais didática do que reflexiva, já que meus princípios são reais. Só que muitas vezes perdem-se na razão do sentir. Daí as lágrimas de amor e o riso de constante dor que não me deixam. Turbilhão que me toma e me deseja por inteiro, me extrai perfume e sabor. Efeitos da liberdade de sonhar com mutualidades e altruísmos... de remar contra a maré alheia de desgostos e pensamentos vãos. Inquietudes minhas...

Sim! Sou feita de ser livre; do extrato selvagem dos nervos de um animal indomável. Não há quem possa me forçar a viver sem o meu conteúdo próprio, a minha verdade. Não me cai bem artifícios, nem vestes alheias e acessórios desnecessários. Apesar disso, vivo da estranheza de me importar mais com o outro, ignorando por vezes a delicadeza de um casulo ainda tão sensível às intempéries. Me exponho ao risco.

Vivo do paradoxo de conciliar pensamentos de vanguarda e do bem-dizer valores já desenganados; sigo de sentir o calor do inverno; de ouvir no silêncio; de brotar no deserto; de enxergar na escuridão. Não tenho data pra florescer, nem obrigação de ser feliz ou amar incondicionalmente, mesmo que eu não saiba e nem queira viver de solidão, mas da quimera de ser plena no amor. E ainda assim, haverá braços afáveis que nunca poderão me aquecer.

Na contramão do desalento, tem mel no meu sorrir de avesso; tem mais valor do que preço, tem gesto; tem ausência de omissão. Vem lá de dentro... e pode te adentrar, te encontrar, e te fazer confessar: é nele que você talvez se reconheça... Ou, quem sabe, no sorrir que não me alegra, no cantar que não me soa, no olhar que não te vê. O tempo em si é uma conquista e uma perda, e eu continuo a suspirar: de sonhar, de amar, de sofrer, de cansar das coisas, seja das minhas, das suas, da vida, daqui, ou dali. É preciso ir além!

Coisas de pensar são apenas ângulos, enquadramentos, perspectivas. Se vãs, guarde-as nas gavetas, no armário, dentro dos livros, embaixo do travesseiro, atrás do espelho, no meio da multidão. O sentido está no agir. Podemos sentir o calor e a luz do sol sem precisar tocá-lo, mas é indispensável se expor a ele para conhecer seus benefícios, riscos e potenciais. No meu agir, quando nexo e leal, frágeis portas se abrem e revelam os esconderijos da emoção. São asas de borboleta ao vento! O ideal fez-se real.

Sei que vou chegar a tempo de converter meus sonhos em pensamentos nus, revelados em ações, coloridos, cheios de luz e presença. Colher os frutos; reconhecer minhas perdas; guiar meu destino; cultivar novos valores; retomar projetos; prosseguir; fazer brotar nova esperança, vê-la crescer novamente; e sorrir, enfim. Ciclos de vida, bem-vindos e inevitáveis.

Sou nada mais que uma lembrança guardada nas coisas de hoje, trazendo consigo o valor de ontem e a expectativa do porvir. Minhas coisas sem nexo, sem razão de existir... A não ser para quem puder e quiser desvendá-las no seu próprio âmago.


Ellen Valéria


Texto autoral
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